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sexta-feira, 27 de abril de 2012

JESUS CRISTO, o INQUÉRITO POLICIAL e a IMPUNIDADE NO BRASIL por @FCGARISTO #POLITICA #DIREITO





*Francisco Carlos Garisto

Na Idade Antiga o que caracterizava a prática jurídica dos povos era a oralidade, tanto do ponto de vista da acusação como da defesa, e totalmente impregnadas pelo testemunho ocular dos deuses. O discurso, a contestação retórica das partes e a necessidade da prova pelo juramento diante dos deuses, eis como normalmente o judiciário se comportava diante do litígio. Ao jurar o indivíduo se colocava diante dos deuses e se houvesse prestado falso juramento logo seria alvo de suas iras superiores, o que fazia com que o culpado acabasse por se denunciar diante da recusa do juramento.

Assim, a velha prática da prova da verdade jurídica dependia da capacidade de convencimento e da coragem dos litigantes, e não a constatação dos fatos, o testemunho dos presentes, o inquérito e tão pouco a lei escrita como base da punição, que na maioria dos casos fica a critério do governante ou da autoridade máxima constituída para julgar e punir. Mesmo nos casos específicos e bastante isolados de tentativas de se julgar pelo código estabelecido formalmente, é duvidoso se os governantes e as elites da época respeitavam essa formalidade, que, de qualquer forma, servia muito mais como prescrição penal do que processual.
Mais tarde, no julgamento e condenação de Jesus Cristo, o inquérito, que de alguma forma já existia no Império Romano, e apesar de toda a estrutura normativa legal e processual existente, o Código Romano, foi muito mais o poder do Sinédrio, na figura de Caifás, e do governador romano, Pilatos, diante de uma conjuntura política-econômica delicada, que decidiu, apesar dos fatos e da lei, a favor da sua condenação como “Rei dos Judeus”, a única acusação jurídica que Pilatos encontrou para condená-lo.
Rui Barbosa, muitos anos depois iria comentar o ocorrido desta forma: “De Anás a Herodes, o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pelas facções, pelos demagogos e pelos governos”.
Depois de viajar pela história antiga perguntamos: Como vocês acham que o inquérito policial é feito hoje? Acham que é diferente da época da condenação de Jesus?
O inquérito de hoje teve inspiração a inquisição da igreja que resultou nas famosas sessões de torturas praticadas pelos religiosos que presidiam os históricos “Santos Inquéritos” contra os hereges. Os portugueses trouxeram o inquérito para o Brasil em 1500, e para conduzi-lo queriam uma pessoa que pudesse obedecer ao rei sem pestanejar e assim criaram a figura do delegado, que nada mais era do que o representante do rei no país ,aquele que deveria conduzir “as investigações” pensando e agindo sempre prioritariamente em atender e agradar as vontades da política-econômica do reino.
Só ele podia conduzir os inquéritos e podia até conduzir as investigações contra os acusados sem interferência do judiciário e até mesmo de advogados, estava criado assim na persecução penal inicial o inquisitório e não o contraditório.

O inquérito hoje, 1977 anos depois da investigação dos “crimes” que teriam sido praticados por Jesus Cristo, e 510 anos depois da chegada dos portugueses no Brasil, por incrível que possa parecer é a mesma coisa, apenas com algumas novidades tecnológicas, a essência jurídica é a mesma. Senão vejamos:
Quem instaura IPL é o delegado e pode fazer isso com qualquer notícia de crime que tenha. Ele vai ouvir o que o suspeito tem a dizer. Se não disser nada (normalmente não dizem), o delegado vai escutar outras pessoas e essas se não gostarem do suspeito, apesar de ser crime, acabam quase sempre inventando coisas contra o suspeito (são as famosas testemunhas, chamadas no jargão jurídico como a prostituta das provas). Se não adiantar o testemunho, o delegado poderá colocá-los frente a frente (acareação) e quem tiver mais sangue frio será o menos culpado. Na maioria dos ilícitos apurados pelos delegados não existe nenhuma prova material ou qualquer análise pericial é tudo papel produzido baseado nas falas de suspeitos, vítimas e testemunhas.
Depois de 30 dias. Se o delegado não puder indicar (indiciamento) um culpado para o MP (ministério público) e normalmente ele não pode , os “famosos” IPLs de oitivas acabam durando anos e percorrendo milhares de quilômetros entre a polícia e a justiça para pedido de novo prazo .Esse prazo será decidido pelo juiz, mas só depois que passar pelo MP. O IPL vai viajar de gabinete em gabinete. Já repararam que eles possuem capas grossas, é para que não se deteriorem nesses infinitos vai e vem, mas não adianta, sempre rasgam.
Vamos imaginar que depois de cinco anos um delegado mais atencioso e trabalhador relate o seu velho calhamaço e indicie o suspeito. O que acontece em termos de justiça e punição?
NADA! Se o MP aceitar a investigação e não determinar mais nenhuma diligência, coisa rara, ele então aceitará (denúncia) a investigação do delegado e mandará para o juiz que também vai analisar tudo de novo, no que é chamado de processo e não mais IPL. No processo é assegurado o direito da ampla defesa e o contraditório. O Juiz vai refazer tudo o que foi feito pelo delegado e analisado pelo MP. Vai ouvir tudo e todos de novo. Cabendo aos advogados e membros do MP apresentarem uma infinidade de testemunhas e requisitarem diligências periciais ou não para a efetiva “produção das provas”.
Esse sistema de apuração de ilícitos da época da morte de Jesus Cristo é o maior causador da impunidade em nosso país, isso para não dizer que o IPL também é a maior fonte de corrupção e tráfico de influência que existe. Esse sistema não serve para a nação, nem para o MP e nem para o juiz. Só serve para o delegado manter a sua “autoridade” de ter em suas mãos o poder de indiciar ou não indiciar, sendo que essa figura processual do indiciamento é nada em termos de culpabilidade, mas os leigos não sabem disso e a ameaça de ter o nome( sendo alta autoridade ou não) lançado e vazado no Jornal Nacional como indiciado é mortal , já que em caso de ser inocentado na justiça o mesmo jornal não irá dar a notícia novamente, até porque esse julgamento acontecerá anos depois e ninguém mais se lembrará do caso.
Essa forma de apuração policial na forma de INQUÉRITO POLICIAL só existe no Brasil, antes existia no Quênia também, mas lá houve recentemente uma reforma processual penal. Nos países mais avançados e evoluídos do planeta essa pratica da idade de Cristo já não existe há muitos anos.
Quem investiga os fatos verdadeiramente são os investigadores de policia, agentes federais na PF e policiais militares e quase sempre com o imprescindível trabalho dos peritos criminais. Quem ouve as testemunhas, vítimas e acusados é o escrivão de polícia. Normal e rotineiramente o delegado só ouvirá alguém se esse alguém for famoso ou o caso for de repercussão e tenha holofotes da mídia.
Nos Estados Unidos e em todos os mais desenvolvidos países da Europa um relatório do policial que investigou, com provas periciais, ou não, é entregue diretamente para o Ministério Público (Promotor), podemos ver isso nos milhares de filmes policiais.
O promotor aceita fazer a acusação ou determina a continuidade das investigações. Se aceitar o processo é imediato e o juiz já marca a data para ouvir as testemunhas que estavam elencadas no relatório do investigador. Em seguida e terminadas as oitivas do réu, vítima investigador, peritos e testemunhas, o juiz dará a sentença condenatória ou não. Nada parecido com o inquérito (IPL) e nem com o processo judicial brasileiro.
Poderia apontar aqui outra imbecilidade da sabedoria de um asno. Por Exemplo: Um policial militar, policial rodoviário ou qualquer outro policial estadual ou federal prende um caminhão carregado de maconha na rua ou na estrada. Faz um relatório onde constará o peso da maconha encontrada, já periciada e confirmada como droga ilícita. Só existe um preso. Testemunha? Só se for na hora de fazer a busca no caminhão. O que acontece no Brasil?
O relatório do PM, PRF ou outro policial não tem valor algum. Ele tem que pegar o caminhão, a maconha, o preso e as testemunhas e ir até uma delegacia mais próxima. Lá não vai encontrar um delegado esperando por ele. Se for fim de semana então é coisa para 5 horas de espera. O delegado vai estar em casa de sobreaviso para as “emergências”. Na delegacia tem um agente federal ou um investigador formado em direito e com mais de 20 anos de serviço, mas não serve. Só o delegado poderá lavrar o Flagrante que ele nem viu como aconteceu. Um delegado leva em média de três a cinco horas para lavrar um flagrante e alguns conseguem demorar mais de quinze horas. Quem não acreditar no que escrevo de cátedra, pergunte a qualquer policial militar, civil ou federal.
As viaturas das Policiais Militares das grandes capitais (e até de outras cidades) passam horas paradas na porta da delegacia e dois ou três Policiais Militares de várias patentes ficam horas aguardando para o delegado fazer uma coisa que eles já fizeram. Essas viaturas e esses policiais poderiam voltar ao patrulhamento imediatamente se pudessem entregar o relatório onde já está contido o nome do preso, o local da prisão, o material apreendido e nomes de testemunhas para serem ouvidas no processo judicial, mas não, tem que ser o delegado. Ele vai ouvir e escrever aquelas coisa da época do império tipo: Aos tantos dias do mês de abril de mil novecentos e noventa e nove compareceu a esta delegacia o policial militar Fulano da Silva, matricula número, lotado, na delegacia, casado, RG número, com endereço na rua tal, o qual apresentou a esta autoridade policial o suspeito cidadão Beltrano de tal pelos motivos que subscrevemos em seguida : ...........e ai vai !
Para denominar no IPL ou flagrante a droga apreendida e já identificada pelos policiais que fizeram a prisão, a autoridade policial escreve: transportava o suspeito, inicialmente nominado como Beltrano de Tal , no interior de um fundo falso localizado sob as tábuas do piso da carroceria do caminhão Placa tal da cidade tal, cor tal ,do Estado tal , marca tal . ( várias fotos do caminhão foram tiradas e entregue ao delegado pelos policiais na hora da prisão) que era conduzido pelo suspeito, quando foi surpreendido pelo policiai que ora narra o presente fato , uma grande quantidade de uma planta seca de cor esverdeada que posteriormente soube-se tratar de CANNABIS SATIVA LINEU.Nessa forma repetitiva e irritante a autoridade policial continua narrando a droga que quase ninguém conhece .
Outra coisa igualmente irritante e antiga é quando o delegado erra e diz para consertar: que melhor dizendo, que esclarecendo melhor, é que daqui é que de lá, e assim, como a milênios de anos atrás, será lavrado o “competente” Auto de Prisão em Flagrante Delito pela competente autoridade policial, o qual poderá também virar um ou vários Inquéritos.
Outro fato que os delegados não gostam de ler, mas não conseguem contestar. Cada delegado da PF, por exemplo, e na polícia civil não deve ser diferente, têm em média 300 ou mais inquéritos sob a sua única e imperial responsabilidade, suponha que em cada IPL tenha dez testemunhas (quase sempre), um suspeito e uma vítima, já são doze pessoas que serão ouvidas. Levando em conta que cada testemunha gaste uma hora falando (quase sempre demoram mais) e o escrivão digitando, teremos doze horas em um IPL só com testemunhas , sem contar perícia e diligências. Multiplicado por trezentos teremos três mil e seiscentas horas. Normalmente uma testemunha aponta outra e assim vai crescendo as testemunhas exponencialmente, mas não vamos levar isso em consideração.
Vamos imaginar que um delegado workholic trabalhe cinco horas por dia. Teremos setecentos e vinte dias, ou quase dois anos de tempo só com testemunhas. Não computado o tempo que o IPL fica viajando com pedidos de prazo entre a justiça e a polícia, finais de semana, feriados, férias e licenças da autoridade policial, outras necessidades e afazeres e etc.

Isso que escrevi é matemática. É ciência exata. Qual o IPL mais prioritário? Para as vítimas, todos, mas para alguns réus famosos nem tanto. Quanto mais demorar melhor, e a única punição será a liberdade pela prescrição.
Essa prescrição matemática do IPL está fazendo o papel de feitiço e atualmente está virando contra os feiticeiros, já que dezenas de delegados da PF de todo o país estão respondendo processos disciplinares e até inquéritos policiais (olha ele aí) por conta de prazos não cumpridos nas investigações.
Se a principal investigação de crimes da nação (INQUÉRITO POLICIAL) é essa coisa atrasada, esquisita e a causadora principal da impunidade que se alastra e já está se tornando quase insuportável, perguntamos .Por Que Isso Não Muda No Brasil ? Como uma coisa dessas pode estar acontecendo no Brasil desde 1.500 e ninguém muda nada?
Muitos juízes, promotores, procuradores, advogados, deputados, senadores, ministros e até os prefeitos, governadores e o presidente da república sabem e diante desse fato a pergunta mais correta é: Por que todas essas autoridades sabem disso e não fazem nada?

A resposta ficará para um novo artigo.

Jesus Cristo merecia e os brasileiros ainda merecem um sistema de investigação mais moderno e eficaz, o qual possa realmente trazer para cada um a justiça merecida.
Hoje a consideração mais justa que se deveria fazer é: O INQUÉRITO POLICIAL não prende e a JUSTIÇA solta!


*Francisco Carlos Garisto é Advogado, Jornalista e Policial Federal Aposentado, Fundador e ex- presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF e do Sindicato dos Policiais Federais do Estado de São Paulo-SINDPOLF.
E-mail : fcgaristo@gmail.com e Twitter : @fcgaristo

Nota do Autor – Alguns trechos históricos foram extraídos do Livro “Fundamentos e Fronteiras da Sociologia Jurídica” - Capítulo 2.4

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