Compartilho com os amigos o excelente
artigo da jornalista Dora Kramer, publicado na seção de colunistas
do Estadão, sob o título “A denúncia revisitada” — um demolidor
exame da peça acusatória do procurador-geral da República contra os acusados de
participação no mensalão, escândalo que explodiu na primeira parte do lulalato,
em agosto de 2005:
A ideia de Lula e companhia de convencer a sociedade em geral e o Supremo
Tribunal Federal em particular de que as ocorrências registradas sob a rubrica
“mensalão” não passaram de uma urdidura da oposição mancomunada com a imprensa
municiada de informações por bandidos sofre de um erro de origem.
Para se concordar com a tese é preciso aceitar por consequência que a
Procuradoria-Geral da República que ofereceu a denúncia em 2006 e o Supremo
Tribunal Federal que no ano seguinte houve por bem transformá-la em processo,
são cúmplices de uma farsa e, portanto, farsantes.
Ler pelo menos as 12 primeiras páginas
Antes de se cometer uma leviandade dessa dimensão conviria aos interessados
fazer a leitura, senão das 136 páginas ao menos das 12 primeiras nas quais o
então procurador-geral Antonio Fernando de Souza resume o que as investigações o
levaram a concluir.
O procurador começa descrevendo a cena deflagradora do escândalo: um diretor
dos Correios (Maurício Marinho), gravado em vídeo em conversas “para
ilicitamente beneficiar um suposto empresário interessado em negociar com os
Correios, mediante contratações espúrias, das quais resultariam vantagens
econômicas tanto para o corruptor, quanto para o grupo de servidores e
dirigentes da ECT que Marinho dizia representar”.
O loteamento dos cargos e a distribuição da “mesada”
Prossegue o procurador relatando como o então presidente do PTB e deputado,
Roberto Jefferson – “acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro
estava focado num primeiro momento em dirigentes dos Correios indicados pelo
PTB” – forneceu os detalhes iniciais, “esclarecendo que parlamentares que
compunham a base aliada recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos
Trabalhadores em razão do seu apoio ao governo federal, constituindo-se o que se
denominou como mensalão”.
A atuação, segundo consta da denúncia, ocorria de duas formas: o loteamento
político dos cargos públicos, o que Roberto Jefferson denominou “fábricas de
dinheiro”, e a distribuição de uma “mesada” entre os parlamentares.
“Repasses de verbas a todos os beneficiários”
“Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que as imputações
feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas”, aponta Antonio
Fernando de Souza.
Segundo ele, o cruzamento de dados bancários e a quebra de sigilos
“possibilitaram a verificação de repasses de verbas a todos os beneficiários”
relacionados no inquérito. “Na realidade, as apurações foram além, evidenciando
engendrados esquemas de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de
dinheiro”.
No trecho mais conhecido, no qual se destaca a expressão “sofisticada
organização criminosa”, o procurador – baseado no “conjunto probatório do
presente inquérito” – traça o retrato da “estrutura profissional montada para a
prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão
fraudulenta além das mais diversas formas de fraude”.
Cita nominalmente José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Silvio Pereira
(já excluído do processo) como responsáveis, na condição de “dirigentes máximos
do partido”, por desvios cujos objetivos eram “negociar apoio político, pagar
dívidas pretéritas do partido e também custear os gatos de campanha e outras
despesas do PT e dos seus aliados”.
Tudo isso para “garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos
Trabalhadores”.
Os detalhes de como foi feito isso, a descrição minuciosa de ações, dos
mecanismos utilizados por intermédio do dito publicitário Marcos Valério para
atender à “demanda criminosa”, o conluio com bancos privados, com dirigentes de
empresas estatais estão expostos nas 136 páginas da denúncia oferecida pela
Procuradoria-Geral da República.
Peça aceita pelo STF não como fator de condenação, mas como conjunto de
indícios suficientemente robustos para a abertura do processo.
No julgamento os ministros do STF podem até concluir pela falta de provas
bastantes contra os réus.
Pode inocentá-los ou deixá-los impunes por força de prescrição de penas.
Mas de burla com toda certeza não se pode qualificar a narrativa em
tela.
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