Luiz Antonio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit, diz a ÉPOCA que perdeu o cargo por contrariar os interesses da Delta e de Carlinhos Cachoeira
MURILO RAMOS
LOBBY
Luiz Antonio Pagot. Ele diz ter sido pressionado por parlamentares a favorecer a empreiteira Delta em obras do Dnit (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
Principal braço do Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) conta com um orçamento anual de cerca de R$ 10 bilhões para construir e reformar as deficientes estradas e ferrovias brasileiras. Historicamente, esse dinheiro é disputado por grandes empreiteiras, num jogo que envolve empresários, técnicos, advogados, lobistas e políticos. Nesse campo são corriqueiras as brigas judiciais, golpes baixos e acusações de favorecimento. As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a organização do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, já revelaram a proximidade da turma com a empreiteira Delta Construções. Associado ao diretor da Delta para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, Cachoeira colocava seus companheiros para trabalhar pela empresa em busca de contratos em vários Estados. Diálogos captados pela polícia, com autorização judicial, mostram que o grupo de Cachoeira atuou no jogo bruto dos negócios dentro do Dnit. Eles arquitetaram uma maneira de afastar Luiz Antonio Pagot do cargo de diretor-geral do Departamento. No dia 10 de maio de 2011, segundo gravações da PF, Cachoeira disse a Abreu que “plantou” as informações contra Pagot na imprensa. “Enfiei tudo no r... do Pagot”, diz Cachoeira. Nesta semana, quase um ano depois do episódio, Pagot deu entrevista exclusiva a ÉPOCA sobre as circunstâncias de sua queda.
O afastamento de Pagot, bombardeado por acusações de cobrar propinas, foi comemorado pela turma de Cachoeira. Quase dois meses depois de ter ouvido de Cachoeira que a imprensa recebera material contra a diretoria do Dnit, Abreu telefonou para o bicheiro. Em tom de galhofa, diz durante a conversa que a presidente Dilma Rousseff ordenara ao então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, a afastar todos os citados em reportagem publicada pela revistaVeja. Naquele momento, Abreu e Cachoeira dividiram elogios entre eles e enalteceram a força de sua associação.
Consultor de empresas privadas na área de transportes, Luiz Antonio Pagot diz que não sabia da manobra de Cachoeira e Abreu. “Fui surpreendido por ter sido afastado através de uma negociata de uma empreiteira com um contraventor”, diz Pagot. “Isso serviu para que fosse ditado meu afastamento. É um verdadeiro descalabro.” Mas qual seria o interesse da empresa e de Cachoeira em prejudicar Pagot, se em sua gestão a Delta apresentara crescimento espetacular nos negócios com o Dnit? Ele afirma ter criado problemas para a Delta. Segundo Pagot, quatro episódios criaram animosidade entre ele e a empreiteira:
• A Delta subcontratou uma empresa para obras de recuperação de um trecho de 18 quilômetros da BR-116, em Fortaleza, Ceará, sem consentimento do Dnit. O Departamento abriu processo administrativo contra a Delta.
• Pagot diz que, em uma obra na BR-163, em Serra de São Vicente, em Mato Grosso, a espessura do concreto da rodovia, feita pela Delta, era menor que a prevista no contrato, fato que poderia provocar um desgaste precoce. A Delta teve de repavimentar a estrada.
• Segundo Pagot, a Delta não justificou os atrasos no início das obras do Trecho Manilha-Santa Guilhermina da BR-101, no Rio de Janeiro. “A Delta estava esperando terminar uma obra em outro lugar para iniciar esse trecho”, diz Pagot. “Mas essa história não é bem assim. A Delta conhecia as exigências do edital. Tinha de estar preparada para começar as obras. Não admiti tantas postergações.” Segundo o Dnit, a Delta espera liberações do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente para iniciar as obras.
• A Delta estava entre as insatisfeitas com o resultado da licitação de obras de duplicação da BR-060, em Goiás. Segundo Pagot, as empreiteiras esperavam que os contratos fossem de R$ 1,6 bilhão, mas saíram por R$ 1,2 bilhão. Isso frustrou as expectativas de faturamento, inclusive da Delta. A Delta lidera um consórcio que venceu um dos lotes da licitação.
De acordo com Pagot, diretores da empresa ficaram contrariados com a postura do Dnit e fizeram pressão contra a diretoria do órgão. “Recebi visitas do presidente do Conselho de Administração, Fernando Cavendish, do diretor da empresa para a Região Centro-Oeste, Cláudio Abreu, e do diretor da empresa para a Região Norte, Aluízio de Souza”, diz Pagot. “Escutei todas as reivindicações e agi como sempre fiz: pedi que formalizassem essas reivindicações. Fazia isso com todo mundo que ia lá.”
MÃOZINHA
A obra na BR-163, em Mato Grosso(acima), e o deputado Valdemar Costa Neto. Pagot afirma que contrariou a Delta ao questionar camada de concreto mais fina na estrada. Segundo ele, Costa Neto pediu para que a Delta vencesse uma licitação do Dnit (Foto: Ernesto de Souza/Globo Rural e Monique Renne/CB/D.A Press)
Além das reclamações públicas e do jogo de bastidores da turma de Cachoeira, revelado pela investigação da Polícia Federal, Pagot afirma que a Delta contava com o empenho de um grupo de parlamentares aliados. Réu no escândalo do mensalão, o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP) é o presidente de honra do Partido da República (PR). Apesar do cargo apenas honorífico, Valdemar é quem manda no PR. Do mesmo modo, apesar de o ministro dos Transportes ser na ocasião o senador Alfredo Nascimento (PR-AM), Valdemar tinha grande poder nas decisões do ministério. Costa Neto procurou Pagot para falar sobre a licitação da Travessia Urbana de Ubatuba, São Paulo. “Valdemar disse para mim que quem tinha de vencer era a Delta”, afirma Pagot. O custo das obras era de R$ 150 milhões. Poderoso no ministério, Costa Neto contava também com o fato de Pagot ter chegado ao cargo graças ao senador Blairo Maggi (PR-MT). O lobby de Valdemar não vingou. O projeto foi alterado pelo Dnit e não saiu conforme suas pretensões. Valdemar contesta a versão de Pagot. “Não fiz pressão junto a diretores do Dnit para que a obra fosse vencida pela Delta”, afirmou Valdemar por intermédio de sua assessoria. Segundo Pagot, o deputado Wellington Fagundes (PR-MT) também pressionou o Departamento em favor da Delta. Ele queria que o Dnit fosse menos exigente com a Delta no episódio do asfalto da BR-163. Fagundes não respondeu às perguntas feitas por ÉPOCA até o fechamento desta edição.
A Delta foi procurada por ÉPOCA para responder aos questionamentos sobre a atuação da organização de Cachoeira e Abreu no Dnit e a atuação de parlamentares em prol da empresa, como afirma Pagot. A resposta veio em forma de nota da assessoria de imprensa da empreiteira. “Um inquérito do Ministério Público Federal averiguará todas essas questões derivadas da chamada Operação Monte Carlo. O Congresso Nacional deliberou nessa última semana pela instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para também investigar temas correlatos a essas perguntas de ÉPOCA”, afirma a empresa. “A Delta Construções falará sobre todos os assuntos nos foros judicial e parlamentar. A empresa repudia, desde já, conclusões parciais e precipitadas oriundas de análises superficiais de informações coletadas.” De acordo com a Delta, “jamais o ex-diretor da Delta Construções Cláudio Abreu falava ou agia em nome da empresa, quando, supostamente, teria dado curso a fofocas que se levantavam em relação ao Dnit ou a qualquer de seus diretores. Caso se revelem verdadeiras as suspeitas em relação à ação de Cláudio Abreu nesse sentido, ele agiu por motivação própria e desconhecida pela empresa à qual devia lealdade”.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional foi instalada na semana passada. PT e PMDB terão o controle da Comissão. Os governistas querem evitar que a CPMI investigue a Delta, devido a seus contratos com o governo federal e com o governo de Sérgio Cabral (PMDB) no Rio de Janeiro. Também trabalharão para que não surja nada do baú de Cachoeira relativo às acusações de contribuições para o caixa dois de campanhas petistas. As duas missões são difíceis. Há material abundante sobre o caso. Conversas captadas pela polícia mostram Cachoeira entusiasmado com a oportunidade de negócios no ramo da Delta. Ele chega a sondar tipos de material de construção que deveriam ser usados em obras públicas. Cachoeira diz: “Eu sou a Delta”, ao tratar do patrocínio a um time de futebol em Goiás. Ainda é cedo para apostar no resultado final da partida.
Principal braço do Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) conta com um orçamento anual de cerca de R$ 10 bilhões para construir e reformar as deficientes estradas e ferrovias brasileiras. Historicamente, esse dinheiro é disputado por grandes empreiteiras, técnicos, advogados, lobistas e políticos. Nesse campo são corriqueiras as brigas judiciais, golpes baixos e acusações de favorecimento. As investigações da Polícia Federal sobre a organização do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, já revelaram a proximidade de uma turma com a empreiteira Delta Construções.
Associado ao diretor da Delta para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, Cachoeira colocava seus companheiros para trabalhar pela empresa em busca de contratos em vários estados. Diálogos captados pela polícia, com autorização judicial, mostram que o grupo de Cachoeira atuou no jogo bruto dos negócios dentro do Dnit. Eles arquitetaram uma maneira de afastar Luiz Antonio Pagot do cargo de diretor-geral do departamento. No dia 10 de maio de 2011, segundo gravações da PF, Cachoeira disse a Abreu que “plantou” as informações contra Pagot na imprensa. “Enfiei tudo no r... do Pagot”, diz Cachoeira. Quase um ano depois do episódio, Pagot deu entrevista exclusiva a ÉPOCA sobre as circunstâncias da queda.
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A reportagem com Luiz Antonio Pagot publicada em ÉPOCA desta semana
Abaixo, os principais trechos:
ÉPOCA – Numa das escutas feitas pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, em maio do ano passado, Cachoeira afirma ao então diretor da Delta, Cláudio Abreu, que plantou informações na imprensa contra o senhor, quando era diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre. Isso dificultou sua permanência à frente da direção-geral do DNIT (Pagot foi afastado em julho do ano passado)?
Luiz Antonio Pagot – Os dissabores que eu provoquei devem ter ocasionado uma animosidade. Fui surpreendido por ter sido afastado através de uma negociata de uma empreiteira com um contraventor. E isso serviu de base para que fosse ditado o meu afastamento. É um verdadeiro descalabro.
ÉPOCA – Que dissabores?
Pagot – A Delta tem inúmero contratos com o DNIT. Ao longo de 2009 e 2010, vários contratos passaram a ter problemas. É o contrato da BR-116 no Ceará, num trecho de 18 quilômetros, em que a Delta subempreitou para uma empresa menor sem a anuência da direção-geral do DNIT, o que é contra a lei. Outro caso foi a pavimentação em concreto da Serra de São Vicente (BR-163-MT), que não estava de acordo com as exigências da DNIT. Isso contrariou muito os engenheiros da Delta e seus diretores. O DNIT foi veemente na determinação de que as placas fossem destruídas e feitas novamente dentro do programado para a boa execução da obra. A Delta também estava entre as empresas insatisfeitas com o resultado da licitação da BR-060 (em Goiás) por ter saído por um preço mais baixo do que queriam. A estimativa era de R$ 1,6 bilhão. Saiu por R$ 1,2 bilhão. E, por fim, a direção geral cobrou da Delta o início das obras da BR- 101 (trecho Manilha-Santa Guilhermina, no Rio de Janeiro), inclusive com a possibilidade de a Delta perder a licitação.
ÉPOCA – Por que a Delta atrasou o início dessas obras da BR-101, no trecho Manilha-Santa Guilhermina (Rio de Janeiro)?
Pagot - Não sei. Não há justificativas para tanta postergação. Ela (Delta) analisou o edital, visitou o local, sabia exatamente do que se tratava antes de participar da licitação. Não estávamos mais aceitando atrasos em relação a essa obra. As nossas exigências, para cumprir os contratos, provavelmente desagradaram algumas empresas, em especial os diretores da Delta. Acredito que esse comportamento do Carlos Cachoeira e do Cláudio Abreu, nos áudios, é uma reação nefasta aos procedimentos que adotei à frente do DNIT.
ÉPOCA – Quem, da Delta, reclamou com o senhor?
Pagot – Tive reuniões com o presidente do Conselho de Administração, Fernando Cavendish, com o diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, e com o diretor da região Norte e Nordeste, o senhor Aluízio de Souza.
ÉPOCA – E o senhor atendeu às reclamações deles?
Pagot – Disse a eles que as reivindicações deveriam ser formalizadas. Depois disso, seriam anexadas aos processos e daríamos a devida atenção.
ÉPOCA – O senhor já recebeu pressões de parlamentares contra a conduta do DNIT durante sua gestão?
Pagot – Com certeza muitos parlamentares vinham ao DNIT participar de audiências. Sugeriam e reclamavam por empresas que estavam executando obras. Nós agíamos dentro dos ditames da lei. Evidentemente que parlamentares, governadores e políticos influentes sempre iam ao DNIT com reivindicações. Ninguém ia lá para fazer uma visita de cortesia.
ÉPOCA – Mas o senhor recebeu pressões de parlamentares a favor da Delta Construções?
Pagot – Alguns parlamentares defendiam a empresa. Durante a discussão do projeto da Travessia Urbana de Ubatuba(SP), por exemplo, o deputado Valdemar Costa Neto disse pra mim que quem tinha de vencer era a Delta. Era uma obra de R$ 150 milhões.
ÉPOCA – A pressão de Valdemar Costa Neto funcionou? A licitação foi vencida pela Delta?
Pagot – Não. Houve uma reformulação do projeto. E a obra nem chegou a ser licitada de acordo com o projeto inicial.
ÉPOCA – Quem mais defendia a Delta?
Pagot – O deputado federal Wellington Fagundes (PR-MT) fez pressão para que o DNIT diminuísse o rigor no episódio em que se decidiu pelo desmanche dos trechos da BR-163 (Serra de São Vicente-MT) que estavam com a camada de concreto fora das especificações. Wellington cobrava celeridade na obra. Não disse, mas obviamente estava lá por interesse da Delta.
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